Acidente de trabalho é o tema do nosso bate-papo de hoje com o Dr. Saulo Soares, médico do trabalho, Doutor Magna Cum Laude em Direito (PUCMG) e Titular da Cadeira 26 da Academia Brasileira de Direito da Seguridade Social – ABDSS. Ele também é coordenador da pós-graduação em Medicina do Trabalho do Instituto GPI e destacou a importância de as empresas realizarem a Comunicação de Acidente de Trabalho.
No mundo corporativo, os profissionais estão sujeitos a diversos riscos que podem, de alguma forma, causar lesões que os impeçam de continuar desempenhando suas atividades. Quando isso acontece, a legislação trabalhista determina uma série de normas a serem seguidas pela empresa, para garantir a recuperação do colaborador}} e sua volta ao trabalho.
Afinal, existem diversos tipos de acidentes de trabalho previstos na lei, e as organizações devem arcar com todos os custos e direitos estabelecidos pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) nessas situações. Vale lembrar que um acidente de trabalho ocorre quando um colaborador sofre algum tipo de lesão, temporária ou permanente, durante seu trabalho ou em decorrência dele. Acompanhe a entrevista:

Dr. Saulo Soares, médico do trabalho, Doutor Magna Cum Laude em Direito (PUCMG) e Titular da Cadeira 26 da Academia Brasileira de Direito da Seguridade Social – ABDSS.
FALAR SOBRE ESSE TEMA É IMPORTANTE, POIS EXISTEM MUITOS CASOS DE ACIDENTES DE TRABALHO, MAIS DO QUE SE IMAGINA, CERTO?
Esse tema é super importante, porém esquecido pela mídia, por exemplo. O panorama demonstra milhares de pessoas morrendo por ano, por causa de acidentes de trabalho. Em 2018, foram mais de 96 mil mortos. Esses dados são os notificados. Ainda tem o chamado iceberg de doenças de trabalho, ou seja, é como se apenas uma pequena parte fosse exposta e certamente ainda existem casos que não são notificados, sendo os casos de trabalhadores informais, sem registro na carteira de trabalho, e pessoas que, mesmo empregadas, as empresas tentam burlar o sistema e não realizam essa notificação. Para se ter uma ideia, os custos para o estado são tremendos. Os dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT) revelam que os gastos com doenças e acidentes do trabalho chegam a 100 bilhões, desde 2012.
COMO EVITAR ACIDENTES DE TRABALHOS? O QUE OS TRABALHADORES PODEM FAZER?
São várias formas. Os exames admissionais, por exemplo, são uma delas. Eles mostram se o trabalhador está apto a exercer tal função. Esses exames têm de ser feitos de forma periódica, além de exames complementares.
Outra coisa que deve acontecer é o médico do trabalho visitar a empresa frequentemente. A medicina do trabalho foi criada na Inglaterra e o primeiro serviço dessa área aconteceu de forma que um industrial procurou seu médico particular e colocou dentro da empresa para conhecer todos os ambientes de trabalho.
E é isso que deve acontecer: o médico do trabalho deve entrar de sala em sala na empresa e avaliar os riscos de acidentes e de doenças ocupacionais, a ergonomia, a iluminância do ambiente, risco de quedas, por exemplo, e promover a escuta do trabalhador. O trabalhador deve apontar como ele acha que o seu trabalho pode melhorar. Tudo isso melhora, inclusive, a qualidade do trabalho.
ESSA PARTICIPAÇÃO DO MÉDICO NA EMPRESA FACILITA TODO O PROCESSO DE ACOMPANHAMENTO. CONCORDA?
Totalmente, se faz necessária essa presença constante. Algumas empresas não necessitam contratar médico do trabalho, mas precisam de uma consultoria em medicina do trabalho. Ele tem que verificar quais são as demandas dos trabalhadores e fazer a análise epidemiológica, verificando em determinado período de tempo, quais os motivos de mais afastamentos daquela empresa. Verificar, por exemplo, quantos atestados aconteceram por ansiedade ou depressão, quantos por problemas ortopédicos, etc.
O MÉDICO DO TRABALHO DEVE FAZER UMA ANÁLISE COMPLETA, ENTÃO, PARA INVESTIGAR E PREVENIR ESSES ACIDENTES.
Exato. Tudo isso deve ser verificado pelo médico do trabalho. Com a pandemia, por exemplo, a saúde mental se tornou alvo das atenções também da medicina do trabalho, então se faz necessário que a Semana Interna de Prevenção de Acidentes do Trabalho – SIPAT fale sobre esse tema e elabore ações para o ano todo. Por vezes, a empresa não quer admitir que determinada doença surgiu em virtude do trabalho e isso se dá pelo receio de fiscalizações, de ações judiciais, e isso prejudica os trabalhadores. Por receio de se constatar uma doença ocupacional, não se melhora aquele ambiente do trabalho. Mais importante do que pagar lá na frente indenizações trabalhistas seria prevenir que os acidentes e doenças ocupacionais acontecessem.
AINDA EXISTE A CAT? COMO SE INFORMA OFICIALMENTE UM ACIDENTE DE TRABALHO?
Sim, a Comunicação de Acidente do Trabalho – CAT ainda está mantida. Ela está no no art. 22 da Lei 8813/91. Quando existem acidentes de trabalho ou doença ocasionada em decorrência do trabalho, a empresa tem obrigação de comunicar a previdência social, emitindo a CAT e tem obrigação de comunicar o Ministério da Saúde, com a chamada notificação compulsória.
Em algumas doenças ocupacionais, por exemplo, a perda auditiva ocasionada por excesso de ruídos, essa notificação ao Ministério da Saúde é obrigatória.
E SE A EMPRESA NÃO FIZER ISSO?
Se isso acontecer, o próprio trabalhador pode emitir a sua CAT e evitar que o seu acidente de trabalho fique no chamado iceberg. Ele tem o direito de emitir essa notificação. Como penalidades, se a empresa não informar às autoridades, a legislação prevê multa, mas, infelizmente isso é quase inexistente na realidade brasileira. Enquanto o trabalhador não promove denúncia no Ministério do Trabalho ou ingressa com ação judicial na justiça do trabalho, isso fica escondido. Há essa cultura inadequada no Brasil e não temos ainda a ideia de medicina do trabalho como propósito da gestão, não há valorização e investimentos na área. Há casos em que empresas públicas há mais de uma década continuam sem emitir CAT sem ter uma multa. Muito ainda tem que mudar em nosso país.
No vídeo abaixo, assista a entrevista na íntegra sobre “Acidentes de trabalho: direitos e deveres do trabalhador” Por Nehemias Lima – Jornalista.