Pesquisadores brasileiros na Universidade da Califórnia estudam o autismo

Nos Estados Unidos, o Transtorno do Espectro Autista (TEA) afeta uma em cada 88 crianças, sendo quatro vezes mais comum em meninos do que em meninas. Ao que as pesquisas indicam, na Europa ou mesmo no Brasil, os índices sejam bem semelhantes. Apesar da alta incidência, o transtorno é ainda mal compreendido, e apenas entre 10 a 15% dos casos possuem causa genética específica.

O biólogo molecular Alysson Muotri é um dos estudiosos do tema e em seu laboratório em San Diego (EUA), o brasileiro, formado na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), faz parte de um grupo pioneiro que conseguiu reverter a condição de neurônios autistas.

A equipe dele fez história ao transformar neurônios de portadores da síndrome de Rett em células saudáveis. Esta síndrome é bastante semelhante ao autismo, mas seu funcionamento já está mais bem definido. Em sua pesquisa, Muotri reprogramou células de pele em células de pluripotência induzida, que podem se especializar em qualquer outra (como as células-tronco embrionárias) e, usando duas substâncias (o fator de crescimento insulínico tipo 1 e a gentamicina), observou que elas passaram a se comportar como se fossem saudáveis.

Outros grupos também vêm apresentando resultados incipientes que indicam breve possibilidade de cura no horizonte.

Quem também estuda o assunto, juntamente com Muotri, em San Diego, é a biomédica Wirla Pontes, gerente de laboratório da Universidade da Califórnia, que, inclusive, será coordenadora da pós-graduação em Autismo do Instituto GPI. Conversamos com ela sobre as pesquisas desenvolvidas e como a pandemia afetou a produção nos laboratórios. Confira:

Dra. Wirla Pontes coordenadora da Pós-Graduação em Transtorno do Espectro Autista do Instituto GPI.

COMO É A ROTINA DE LABORATÓRIO DE VOCÊS?

No laboratório sempre tem alguém trabalhando. Já teve dias que cheguei aqui às 4h da madrugada e já tinha gente trabalhando desde às 2h. Definir como é feito o processo, o dia a dia, o modo de vida do pesquisador de um laboratório como o nosso, que é referência, é complexo.

Nós conseguimos responder para a sociedade uma série de perguntas. As pessoas falam “Nossa, olha só, eles fazem mini cérebros“, mas há muito por trás disso tudo aqui. É todo um trabalho gigantesco para conseguirmos isso. Os amigos sempre falam que não faziam ideia de que nossa rotina é árdua assim.

MAS HÁ QUEM NÃO ENTENDA COMO ISSO FUNCIONA, CERTO?

Sim, sempre haverá. É interessante notar que as pessoas acham que, por exemplo, 5 anos para se chegar num resultado é muito tempo. Às vezes, ficamos seis meses trabalhando numa célula e de repente dá tudo errado e você tem que começar do zero. Nessa hora é preciso sabedoria para reiniciar o processo. Depois tem os resultados que você tem que analisar, comparar, é um processo longo.

UM RITMO MUITO INTENSO, REALMENTE. COMO FOI POSSÍVEL MANTER ESSE RITMO COM O SURGIMENTO DA PANDEMIA? TIVERAM QUE PARAR?

Impossível parar. Apesar do lockdown, não paramos. Houve um planejamento para isso e entramos como profissionais essenciais. Assim, mantivemos a nossa rotina. Foi uma loucura porque o grande desafio foi e está sendo a falta de insumos. Primeiro, porque os insumos não chegavam aos laboratórios, depois tudo passou a ser usado na corrida das vacinas.

Tudo o que utilizamos dentro de um laboratório como pipetas, ponteiras, tubos, placas, tudo estava sofrendo uma demanda muito grande para as pesquisas das vacinas.

MOMENTOS DESAFIADORES, ENTÃO.

Foi um super desafio, eu sou asmática, do grupo de risco, mas ainda assim não tivemos como para. Montamos calendário, uma escala de revezamento e tínhamos o horário de estar aqui e o horário de estar em casa.

O que era preciso fazer experimentos, vínhamos para cá. O que era possível fazer de casa, fazíamos no computador. Todo mundo se ajudou e foi muito compreensivo com a realidade que estávamos sendo inseridos.

QUAL SUA DICA PARA QUEM PRETENDE SE DEDICAR À PESQUISA?

Pesquisadores têm que estudar muito e precisam ter pouco medo. Ser proativo, encarar as situações, pensar fora da caixinha, persistir e ser criativo. Precisa ter o mesmo gás quando for preciso recomeçar a pesquisa do zero e precisa ser muito curioso.

Não pode se conformar com aquilo que está a sua frente. Tem que confrontar. Precisa conhecer pessoas, encontrar pessoas, pesquisar quem são as pessoas naquela área que são referências e estudar muito.

NETWORKING É MUITO IMPORTANTE NESSA ÁREA?

Demais. O networking é muito importante para qualquer área, inclusive. Ser alguém que sabe mexer com a célula é bom, mas isso qualquer um faz, qualquer um aprende.

O diferencial está naquele que é humano, que quer trabalhar e fazer o bem, fazer algo que impacte a vida das pessoas. Para isso é preciso conhecer muita gente e trabalhar. O mundo precisa disso.

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Conheça algumas Pós-graduações disponíveis no GPI:

Hematologia Laboratorial

Citologia Clínica

Psiquiatria

Medicina do Trabalho